segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Insatisfeito

Troublemaker - Nick Ray McCann


Já fazem meses desde a fissura latente, mas não lhe darei os créditos por roubar o meu sentir. Algo deu muito errado no processo que me formou. Me tornei casca grossa.

Nada me cansa o suficiente, não costumo suar. Pareço ter uma resistência a dor fora do comum, é o que me disseram quando arranquei os quatro sisos de uma vez. Nunca chorei por um livro, ou um filme de romance ou drama. Na procura por uma crença, me tornei cético e perdi todos os medos que nos tornam humanos, o diabo está de prova. No primeiro gole inocente de um uísque dos fortes, sequer fiz careta. Já dormi dias no chão, passei dias sem comer, ou mesmo dormir.
E nada. Vivo como uma alma penada.

E você está ai, vívida. Não consigo entendê-la. Como pode viver esse cinismo hedonista? Esse brilho eterno de uma mente sem lembranças.
Não que eu não chore, não me emocione ou viva. Já me perdi em sentimentos demais, geralmente se manifestam em fixações obsessivas. Mas não mais. Agora nada satisfaz.
Uma lágrima escorre pelo hematoma roxo amarelado na maça do rosto.
E nada sinto.

Seu corpo em exercício intenso, tornam sua alva pele em um rubro manchado. Tão delicado quanto uma gema sangrenta, fluindo misteriosamente. Quase como uma reação alérgica ao prazer, ou a dor.
Faço um corte superficial, deixando deslizar o rubro néctar.
E nada sinto.

Seu olhar sempre fora pura fúria, ou total indiferença. Até mesmo seu amor, era uma manifestação da sua odiosa natureza. E seu perdão, parte do seu rotineiro desprezo.
Com um corte mais firme retiro a pele tal como a manga de uma camiseta, deixando a carne exposta em toda sua majestosa viscosidade.
E nada sinto.

Sua voz, macia feito um coração de alcachofra, é repugnante sem o tempero de suas emoções mais intensas. Sempre me arrepiou.
A cada peça de músculo que removo, misturada com ligamentos expõe os nervos, que traduzem como eu sempre me senti. Exposto, sensível.
Sensível como meu sexo, lhe usando a meu bel prazer, enquanto toco sua carne tenra.
E nada sinto.

Engulo, pouco a pouco, o sabor do seu pecado, assim como sempre engoli suas ofensas. Praticamente um esqueleto convulsivo. Já não parecemos tão diferentes. As tripas não possuem a assinatura de sua personalidade e fica difícil ouvir seus gritos enquanto se engasga em sangue.
E nada sinto.

De estômago cheio, me sinto igualmente vazio e não alcancei satisfação alguma. Simplesmente não consigo sentir, talvez seja melhor assim. Talvez você seja a culpada, mas então estamos quites. Aposto que não lhe sobrou muito...
o que sentir.

Sinto muito.

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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Lúcifer romântico

The Flesh of Fallen Angel by Straightgunner


O quadro clássico daqueles em estado depressivo em muitas vezes, é um problema de desajuste. Do não pertencimento à sociedade, o que metaforicamente seria estar longe de deus. Não incomumente acabam por seguir caminhos opostos ao da voz do povo. Seja por serem mais inteligentes, mais burros, enxergarem o mundo com mais clareza ou ruido. Perspectiva.

Infelizmente a alma humana possui suas necessidades, e há em sua natureza a necessidade de pertencer. Fazer parte, conectar. Aqueles perdidos, desajustados e desencaixados; descrentes de quase tudo no mundo, acabam muitas vezes depositando sua fé em um pertencer mais minimalista. Com a dificuldade de se encaixar em toda a trama de exigências e expectativas da sociedade, tais almas perturbadas acabam por escolher se encaixar, pura e simplesmente, com um único ser. Os malditos românticos.

As conexões acabam por ser desnecessariamente forte demais, assim como a esperança por aquele que o compreenderá plenamente se torna um pensamento recorrente. Alguns encontram felicidade através dessa prática, muitas vezes não por muito tempo, porém esse é o caminho mais difícil e muitos sobram nessa estrada sem mapa. No fim, talvez seja pior depositar suas esperanças em pessoas do que em ideias, por mais que elas sejam tangíveis e reais, diferentemente das ideias. Justamente por serem reais, estão sujeitas ao tempo, à mudança e a morte. E nesse platonismo, acaba por se esperar a materialização de uma ideia em uma pessoa. Que seu verbo se faça carne e te livre de seus pecados.

Your own personal jesus, someone to hear your prayers, someone who cares.

No fim, o sistema de funcionamento da máquina humana se mantém, e o desajustado acaba por aumentar sua distância da sociedade, o paraíso de onde poderia surgir seu redentor, com a qual precisa se lançar para barganhar relações, a fim de encontrar A pessoa. Deixando-o a encarar o abismo mental que se formou entre sua insatisfação e a realidade. Entre o que as pessoas podem lhe oferecer e os anseios mais profundos de seu coração. E não há cura para o desajuste, ele acontece naturalmente. E sobra ao desajustado seguir sua natureza e tentar conquistar suas expectativas sem nenhuma bênção para ajudá-lo.

É solitário andar à sombra de deus.

.

   

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Possuída



Dançamos.

Te trago a minha terra, entre o fogo daqueles iguais a tu. E dançamos. De corpos colados em movimentos firmes, dançamos com postura, com precisão. Te conduzo por movimentos suaves e bruscos, ao ritmo dos estalos da chama. O piano toca sozinho e o baixo acompanha. Lá em baixo estamos. A curiosidade te trouxeste aqui, e não se arrependes. De face colada uma a outra dançamos segurando cada qual uma ponta de uma lâmina. A gilete entre nossos dentes dão o clima da tensão. Não podemos errar os passos, não podemos largar até que a música acabe.

Ao som da última nota tu sorris, soltando a lâmina, que então brinco com minha língua. Em um giro de bailarina percebes que nos encontramos em teu quarto. As cortinas estão em chamas, o papel de parede queima como embrulho de presente, daquele seu natal perdido. Da janela aberta se vê apenas o breu absoluto de uma madrugada coberta pelo véu da fumaça. O calor do quarto disfarça até a frieza de meu sangue sob a pele ardente. Sem demora as paredes já são barreiras de fogo incandescente, produzindo um manto negro que flui pelo teto. Não é pelo calor, mas já estás derretida. Deitada, observa com olhar sonolento enquanto manejo a lâmina com precisos cortes, deixando-a nua.

Jogando a lâmina de lado, escorrego meu corpo até meus lábios tocarem os teus. Com o peso do meu corpo sobre o teu e minhas mãos te envolvendo, já estás totalmente entregue a possessão. Que se dá lentamente, enquanto meus lábios tocam todo o seu corpo, parte por parte. Logo, em minhas mãos se encontra uma corda negra e teus olhos brilham. Peço que fique de joelhos. A textura áspera da corda desliza suavemente sobre corpo, dando voltas e pressionando pontos específicos. Te deito de costos para cima, e intercalando entre beijos e mordidas, prendo tuas mãos e pés. Totalmente subjugada, agora estás pingando; não só de suor.

Te meço e avalio, com uma vara de cane em mãos. Tua alma possui muitos pecados para expurgar, e como um caído, servirei devidamente à meu propósito. O primeiro acoite é bem forte, aproveitando enquanto não está com a carne dormente. Os golpes subsequentes distribuem bem a dor, por toda a tua bunda. As marcas ficam evidentes e sua virilha se mantém contraindo pedindo pelo alívio. Sentes seu cabelo ser puxado, ao mesmo passo que algo desliza para dentro de ti. Uma lágrima de alívio e prazer lhe escorre pela maçã do rosto, segue pela mandíbula e desliza pelo pescoço. Dedos firmes envolvem seu pescoço enquanto sentes impactos rítmicos no quadril. As beiras da cama começam a pegar fogo, mas é em ti que arde algo. Teu quadril se mexe involuntariamente, tua coluna se contrai e uma explosão de prazer te deixa a ter contrações por todo o corpo.

Nos noticiários do dia seguinte foi anunciado um estranho caso de combustão espontânea.

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domingo, 5 de outubro de 2014

Careless



"I wish I could be your secret angel,
insivible guardian, nameless protector.
But I can't even take care of myself."

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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Vicarius



Toda pessoa que sofre,
é um mártir do nosso prazer
Não finjamos que não,
tendo consciência do que é ser

O sangue do inferno
adoça os frutos do céu
Do crime da existência
somos todos um só réu

Cada sopro de vida
é a morte do verbo proferido
Um corte no tempo
e no espaço do corpo sentido

Cada instante é provar
do sexo da entropia
Beijo vampírico da morte
no sangue vicia

Das grandes narrativas
se tiram nada mais
do que períodos
de um prolongado
fim

Num recorte de tempo
Enquadrado momento
de como se dá
essa troca
enfim

Ato de sobreviver
apenas ossos do ofício

Esse tão belo,
vívido e pleno

sacrifício

.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

(Co|A)mplexo

Embrace - Emily Burtner


meu coração dissimulado
implode
com medo de te assustar
com sua intensidade

no desencontro de nossas línguas
troco palavras
desvio versos

de eufemismo em eufemismo
alivio o peso da sensação que me causa
a cada verbo, uma pausa

digo que te achei legal
te chamo apenas de fofa
falo de forte interesse
intensa curiosidade

convenço que só quero te ver
simplesmente nos conhecer
somente sentir teu corpo

então disfarço
que ao seu toque
me desfaço

te olho nos olhos e fica claro
não enganamos ninguém
a não ser nós mesmos

e nesse conto de realidade
assumimos não existir
essa química que nos deixa perdidos
sem graças na troca de sorrisos

negando

que cada longo segundo daquele abraço
não é nada de mais
apesar de ser justamente a vontade
de não largar jamais

.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Pôr do sol entre as montanhas, à beira do abismo - Rafael Levi

o terrível desejo alheio
de futuros impossíveis
e passados inexistentes
memórias de momentos prefeitos
por mais imperfeitos que foram
se é que foram momentos

não é o abismo
é você
não adianta esperar
que o infinito vá te olhar
enquanto os grãos morrem
um por um

se mordendo de expectativa
os dentes da engrenagem
giram sem se alinhar
tal qual lava secando
sem nunca encontrar a água
amores líquidos
de metal derretido

mecanismos perfeitos
jamais montados
acumulam ferrugem e teias
exigência da imperfeição
corroendo o não natural
barro disforme ultrajado
consumidor de sonhos


criação anímica humana

terra levará as ilusões construídas
para as profundezas da incerteza
de onde brotam
quaisquer sonhos

afinal

.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O universo numa casca de nós



cá estamos
abismo do medo
estrelado na beleza do cosmo
cortado por pontes
de promessas nunca feitas

com o sopro do vento
recebemos diversos sinais do destino
para não temer tal precipício assassino

constantemente esquecemos de nossas asas
talvez por conta das quedas
e das penas cortadas

ficamos nos olhando
pois não podemos ver a nós mesmos

qualquer risco é cego
qualquer tentativa um risco
e qualquer olhar uma tentativa

sabemos bem,
talvez por pura intuição
que entre nós
rapidamente
tudo mudaria de proporção

somos filhos da lua
sendo fácil perceber em nós o vosso brilho
mas nossa carne é feita de passado
e nossa alma de futuros perdidos

não é química, chega a ser física quântica
só de experimentar alteraria seu significado
é um estar; não estando
o infinito da brevidade de um segundo
lapso momentâneo de intensa eternidade

de tanta perfeição
não provamos nem um laço
ao menos pudesse
sentir teu abraço

esqueça a irreconciliável leveza
somos seres pesados
procuramos pesos grandes demais
para se carregar planando

por mais que nosso horizonte
seja bem desenhado
e nosso panorama
linearmente plano

de pés no chão
e cabeça nas nuvens

com solidez almejando o imperecível
somos seres de outro nível de façanha
de coração suave e breve
tal qual uma montanha

.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Talvez



na incerteza o ar me esvai
uma vez mais
desconhecidas intenções
desejos e pulsões
habitando ainda uma tolice
a esperança
sentindo o vento do inverno
e o frio no coração
me desperta a vontade
um querer ser mais forte
olhos de tigre
presas afiadas
uma vez mais em mata fechada
entre presa e predador
não era para ser um jogo
grita com pureza
a fragilidade
algo dentro de mim
ou o barulho na mata
dois lobos se encaram
o conflito existe?
dentro ou fora?
qualquer ruído se intensifica
no silêncio

.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Appenas



Vejo possibilidades
no pequeno espelho negro
na palma de minha mão
Ou talvez
ilusões perdidas
de saudosos futuros
Dos quais já sinto
saudades

...

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Reticência

Moorland ridge sky - Tristan Campbell


As vezes, simplesmente me sinto distante
do que acontece dentro de mim
Como quem está no estrangeiro
sem comunicação com o país natal

Não sei se está uma guerra, ou harmonia

Apenas um eco distante da saudade de mim mesmo
um pouco de proveito do frescor dos novos momentos

Algo entre uma resignação com o passado
e reconciliação com o futuro

Mantendo a presença da sombra do medo,
da tensão do conflito constante

Ao longe trovões de tempos fechados
Antes da tempestade, a calmaria

No palco vazio, esqueci o papel que deveria atuar
Entre o medo de errar e a liberdade de improvisar,
fica a expectativa silenciosa da quarta parede.
De bocas seladas, todos são meus olhos

E não sei o que esperar de mim mesmo

...
 
    

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Revolver



Ergo sum.

Seria uma noite comum, seria uma noite qualquer.

Fui ao banheiro lavar o rosto e escovar os dentes antes de dormir, quando me deparo com o estranho do outro lado da lâmina com uma camada de amálgama de estanho. O desgraçado me olhava com desprezo tendo o cano de uma Walther P22, alongado com um silenciador, apontado para minha cara. Óbvio que olhei para trás e não tinha ninguém, mas não havia como, eu o via a minha frente. Sua postura era completamente outra e esbanjava um sorriso malicioso no rosto.  Sua camisa preta dobrada até os cotovelos passava uma elegância agressiva e seu cabelo arrepiado com pasta definia sua aura orgulhosa.

Perguntei o que ele queria, não obtive resposta.

Eu sabia o que ele queria. Ali, curvado lavando o rosto e me olhando de baixo para cima. Sequer para se levantar e me encarar nos olhos, me confrontar. De braço estendido o encaro nos olhos profundos e frágeis. Pediria para virar homem, se ao menos isso fosse capaz. Apenas esperava algo acontecer enquanto a água lhe escorria do rosto. Passivo. Reativo, como um pequeno animal. Não seria fácil fazê-lo, mas tinha de ser feito. De cabelo ensebados e espinhas estouradas seu rosto agora demonstrava o pavor que escondia, e em segundos já havia perdido o controle. Entre súplicas veio o desespero, quebrando tudo e tentando despedaçar a fina camada de vidro que nos distanciava.

Um baque. Os cacos de vidro caem lentamente. Um tiro. Da visão fragmentada vejo-o deitado do outro lado. Está feito, guardo a arma, estalo os dedos e o pescoço.

Depois arrumo esta bagunça.

  

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Paradise Lost



here lost with my thoughts
while my coffee is getting cold
I catch myself reflecting
how I was used to
think
how things never go right
at the same time
but remembering about the past
I've lived in this eden

well ...

at least I was feeling like that,
yet there is no perfection ...
Eva was unhappy
and I was the one to blame
then
I rejected all that divinity.
I've fell for my own choice
made a path through the fire
got problems with my black feathers,
always

maybe we just don't fit to the paradise
we make for ourselves
or maybe I just wasn't brave enough
to deal with my own happiness
although
nothing really changes
and that heavenly place is still there
in the same place it were before
inside my delusions
only

"that’s what I get for kicking
religion in the ass"
but I kicked the redhead too
we get what we deserve...
...no
it's all about what we can achieve
the sky was just too much for me
and found no pleasure in the underworld
isn't that where we supose to be?
after all
between heaven and hell
there will always be much more things wrong
than just
Melancholia

  

domingo, 13 de julho de 2014

Expresso



"Se ao menos lessem
tudo que não escrevo
tanto quanto ouço
o que não dizem..."

Cicuta

Desolate Plains Deserted House - Konijntje

Eu costumava conseguir justificar, achar o que culpar. Conseguia dizer porque me sinto dessa forma. Apontar um acontecimento ou circunstância que me levasse a esse sentimento.

Não consigo mais fingir que existe um porquê, alguém a quem culpar ou algo que possa sanar.
É complicado achar algo que te motive a lutar, quando não consegue mais compreender nada do mundo. Como se tivesse sido criado em uma realidade alternativa, onde nada se aplica. Simplesmente parece que cada pequeno traço de entendimento de mundo é uma grande confusão, um mal entendido.
Passar anos cultivando uma planta para descobrir que era urtiga. Resta apenas o inesgotável desconforto, aquela coceira na alma que você mesmo criou. Não basta apenas o tempo perdido, simplesmente se perde toda perspectiva de recuperá-lo. Não há caminho evidente, nem direção a tomar. É a total falta de sentido. Pra frente. Virou inércia, apenas vai, porque vai.

Costumava cobrar uma justiça divina, um acerto de contas com o karma, a dívida dos hipócritas. O único culpado é quem acredita nessa selva de ideias. Desejamos chorar, cobrar para que seja do jeito que acreditamos, pois já estamos com toda a estrutura montada nesse fundamento movediço. Não há resgate para um ser perdido na floresta da existência. Nada disso é legítimo, nenhuma lágrima é válida, nenhuma compreensão é merecida.

No fim, todos morremos sós.
 

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Pérola Lunar

Enrapture - Audrey Kawasaki


Vaguei por tempos ao mar, perdido a esmo
Após um naufrágio me vi esquecido de mim mesmo
Numa ilha deserta fazendo das sombras abrigo
Até no horizonte avistar um barco amigo

Foram dias cruéis à deriva, sem norte
Enfrentamos muitas ondas e vento forte
Em um descuido, me vi novamente ao mar
A cristalina água iluminada, brilhava ao luar

Fui parar em meio a rochedos sinuosos
Então a observei pentear seus cabelos sedosos
Em meio aos tenebrosos mares do oriente,
Havia encontrado uma sereia sorridente

Sem falar nada olhou no fundo de meus olhos
À volta de tal belo ser, se vêem apenas espólios
Seu sorriso me convida e mergulho novamente
Finalmente ouço seu canto, me deixando dormente

Me hipnotiza devagar com seu doce charme natural
Seus olhos esguios me convidam à profundeza abissal
A sigo como que puxado pela correnteza da morte
Começo a crer que me fora um arroubo de sorte

Seria novamente um jogo de luzes da lua?
Para que me engane e meus sonhos destrua
Já envolto em breu, longe das luzes pálidas
Percebo as águas cada vez mais álgidas

Tola tentativa, desejo o gosto de teus lábios
Meus anseios nunca foram dos mais sábios
Olhando a minha volta, percebo uma centelha tímida
Em meio a escuridão encontro uma beleza reprimida

Subo vagarosamente, para que a pressão não me mate
Encontro a nau, recebendo-me com devido resgate
Os rochedos vão ficando ao longe e os perco de vista
Mas guardo a pérola comigo, para que o desejo resista

  

terça-feira, 1 de julho de 2014

i(a)mor.tais

Giardians of Time - Manfred Kielnhofer

um ode aos que
arbitrariamente persistem
mesmo sem um porquê
racionalizado explicar

tão raros os que
assumem suas apostas
de tão raras respostas
preferem acreditar

insistentes intuitivos
decidem sustentar
apesar da entropia
que afeta o amar

conhecem infinito na
finitude dos momentos
concebem o íntimo na
escolha de se doar

fazem da morte
uma simples distração
um velho relógio
a tiquetaquear

malucos desvairados
enfrentam o medo
da temível queda
que é se entregar

estranhos parentes
de sangue incomum
esquisito reflexo
a nos espelhar

insanos que topam
decididamente aceitam
que se fazem ser
optando por estar

  

domingo, 22 de junho de 2014

Possessão



Ali estás, parada, distraída. Meu olhar te analisa da cabeça aos pés, mas anseia por um contato visual para dissecar tua alma. E a assim acontece, ao encontro dos meus tu sentes como se estiveste nua. De alguma forma sabes que de mim não escapa nada. Agora a presa tem total noção da perseguição, tal como antílope ao encontrar felinos olhos em meio ao mato seco. Entretanto não corres, se mantém no lugar, congelada; ainda pensando sobre como reagir a tamanha sensação de ser observada. Teu corpo já reage te preparando para ser dominada, sequer pensas em fugir. Não é bem do teu instinto. Ao contrário, escolhe o local do abate, e viras o jogo ao deixar escapar um sutil sorriso no canto da boca, vira de costas e segues andando até um beco escuro. Sabendo que, como uma sombra, estou em teu encalço.

Lá nos encontramos, onde sequer a tênue luz da lua ousa tocar, encarando-nos esperando pelo clímax da caça. Dou alguns passos e retomo o comando. Dedos te ordenam que se aproxime, com um movimento suave, seguido de um comando direto apontando o local a minha frente. Então te vejo caminhar, oscilando suaves movimentos com os quadris a cada passo. Teus olhos de piedade não parecem querer liberdade, já buscas entregar-me toda de uma vez. Ao se aproximar tanto de mim, tu percebes o que antes não vias, chifres curvos por entre os cabelos penteados para trás, assim como dentes um tanto mais pontudos que o normal em meu sorriso que sustenta um cigarro aceso. Agora encontra-te a distância de um sopro, sentindo o cheiro da fumaça que exala de minha boca. Jogo fora o cigarro e toco suavemente teus cabelos longos com meus dedos passando próximos a teu suave rosto. Instintivamente fechas os olhos. Levanto teu queixo com o nó de meu dedo e peço para que abras a boca. Me obedeces como se já houvesse sido previamente treinada. Espera por um presente ou uma confirmação de tua invocação. Me trouxeras pois querias algo. Mulher tão pura e de família cristã, mas cheia de pecado que atraem qualquer demônio. Cuspo em sua boca, e empurro suavemente teu queixo para que feche a boca. Você engole.

O pacto está feito, e agora restaste apenas a ti, sozinha entregue de joelhos com as mãos entre as pernas. Delirando perante a imagem da próxima visita, estás condenada ao que querias, porém não se arrepende.
Havia se entregado há muito tempo atrás.

domingo, 15 de junho de 2014

Trilhos

É impossível transmitir
a poesia que percebo
com o meu olhar
Ainda assim insisto
Para outros olhos
me expressar

Nada significam senão
para quem quer ver
Dentre tantas janelas
para admirar,
poderias a minha escolher

Acreditar talvez em minhas
verdades não ditas?
...

Nem és tu
Na verdade sois vós
É voz

Silenciada e discreta
Ternamente não proferida
E vos não entendo
Também não me ouvistes
Olhares se alinham
uma vez mais
Para se perder sem sentido

Alguma coisa aconteceu
Não será sabido
Alma alguma viu

Morreu no momento
em que o trem
partiu

 
Foto do acidente de trem em Nidareid, 1921

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Doce Quimera

The invisible woman (1940)


Sonhei novamente contigo
É... tu... que não existes
Trocando de face a cada encontro
Plantando distorcidas esperanças
Já deveria estar acostumado
Com teu jogo envolvente
Mas sempre crias regras novas

Menina dos olhos, cansados
Sonolento desejo de repouso
Daquilo que não encontra descanso
Nebulosa de expectativas inalcançáveis
Tua doce presença é irreal
Tuas visitas passageiras
Deixando um sabor solitário na boca

Você que veio me visitar
É... tu... que não existes
Não possui face, não possui forma
Com nomes dos quais nunca ouvi
Ao acordar já esqueci
Só me sobra cogitar
Se estava ali, se estavas aqui

Se estivesse pelo menos por aí


    

segunda-feira, 26 de maio de 2014

expertício



teus suaves doces olhos
olarias que sonhos sorvem
sorriem belos para outro
ouro de tolo aos presos
pesos no traço do escorço
curso natural dos teus rios
risos me arrebatando na praia
eu, logo o paria

o padrão da chuva amarela
aquarela colorindo à toa
entoa o som das falas conhecidas
convencidas prosas invertidas
inventadas chances perdidas
pedrada em parede vazia
vacina de febre curada
tu, e tua couraça

os suaves olhos chovem
a cor dos sonhos escorrem
esqueces o som do sorriso
prosa presa do tolo ouriço
traços de linhas perdidas
pedras órfãs do rio trazidas
febre que arrebata com risos
nós, despertise

      

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Palavras de Ninguém

Stuart Brisley


Só são adorados os poetas mortos ou distantes
Aqueles os quais não se identifica a fraqueza em si
Mas se abstrai como reflexo daquele que a lê
Somente tocam os corações poesias órfãs
Ao ponto que o autor pouco importa, seja Clarice ou Pessoa
Só vale se identificar com a fragilidade, não o indivíduo
Pois o direito à vulnerabilidade é só nosso ao compreender
Jamais o do outro ao sofrer, e sobre isso sentar e escrever
Só é dado o direito da sensibilidade aos excluídos desalmados
Aos quais se vê o resultado da mais fina arte
E não a humilhante face do fracasso humano
Van Gogh só vale muito depois que não mais incomoda

No fim, a arte é a parte aturável do insuportável artista
Pois com tamanha afronta, ousa demonstrar o omitido
Aquilo que, de fato, todos tentam negar a si mesmos
Afinal, num mundo de mentirosos sobre seus sentimentos
Os descarados verdadeiros devem ser apedrejados
Não se pode levantar suspeita da vulnerabilidade de todos!
Arriscar destruir a frágil máscara da hipocrisia social
Pecadores aqueles que assumem o que tanto escondemos
Num mundo de falsidades, os sinceros são alvos fáceis

E assim se mantém a suave ilusão
De que não há errados
Senão os que assumiram a culpa

De serem humanos
    

quarta-feira, 12 de março de 2014

A Era do Ruído



Eu sei o que não quero
Não sei onde desencontrar
Eu sei o que não encontro
Não sei o que quero

Não quero sua informação
Feita sob medida para ser demais
Sem nenhum valor agregado
Todos querem se informar
Até não saberem nada

Não quero seu conhecimento
Um sistema que se autoajuda
Soluções fáceis jogadas no irreal
Todos são gurus infames
De sua própria realidade

Não quero a felicidade
Aquela industrializada, enlatada
Com corante artificial
Todos acham que querem
Até provarem do veneno

Eu quero o meu foco
Não quero a sua agenda
Eu quero me organizar
Não sigo seu calendário

Não quero que me entenda
Que possa me definir e me embalar
Separar e classificar
Todos querem fazer parte de algo
Até não saberem o que são

Não quero seu pacote de valores
Na minha prateleira eu faço a seleção
Partido e religião
Todos abraçam o que não sabem
E aceitam o que nunca quiseram

Não quero seguir a unanimidade
A voz de Deus é burra e feroz
Jesus personalizável (vem em três cores diferentes)
Todos se sentem fazendo parte de algo
Por não saberem ser indivíduos

Eu não quero seguir o fácil
Não quero falta de sentido
Eu quero formar o meu próprio
Não sei o que eu quero

Mas eu descubro

  

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Disinganno

Disinganno - Franschesko Kvirolo


O que tu fazes reverbera
  O que dizes repercuti
    Queria eu não ver
      Ou melhor, não querer

Mas sinto, e percebo
  O que fizestes com o que sobrou de mim
    Sujando e queimando os fragmentos restantes
      Espalhando ao vento como se nada fosse

Páginas manchadas de desvalores vãos
  Se confirmara meu maior temor
    Provoquei, vi e vivi; não venci
      O amor não venceu, mas sua validade

(só não pra mim)

Gostaria de apontar as inconsistências
  Como se surtisse algum mero efeito
    Nada de errado aconteceu afinal
      Uma vez mais, um desengano, nada fatal

Me julgue fraco como quiser
  Só não vejo em ti a mesma força
    De encarar os fatos de forma crua
      Ver que nunca fui culpado por ilusão tua

E das minhas me culpo, num ciclo infinto
  Gradativamente eu tento, e aprendo
    As vezes creio que já nem sinto
      Por pouco tempo, um segundo pacífico

(quem dera)

Antes pensasses como algo vão e tolo
  Com leveza os problema tão mínimos
    Antes visses como algo grandioso
      Relevando o que não vale a pena ser sentido

Tudo sempre fora assim, mal encaixado
  O avesso no verso e o vice no mandato
    A cada passo distante, um descompasso
      Uma total distorção do leproso passado

Quem dera eu, não te afetasses nem mais um pouco
  Assim não me afetarias com tuas reações desmedidas
    Dispersemos, aprendo a relevar, continuando a velha luta
      Em algum momento vou ter de me superar

(...assim espero)

Gostaria que tiveste capacidade como a minha
  Não te julgo, nunca foi contra a sua palavra
    Esse sempre foi o problema, elas sempre valerão mais
      Nada jamais sobrepujará teu orgulho

Mas o ego é uma coisa solitária
  Que assim seja, e assim será
    Continuo desatando nós, nós por nós
      Incrível quantas voltas dei em tão pouco tempo

A rede não me segura mais, estou livre
  Como sempre estive, os grilhões desfaço
    Condenado a responsabilidade de tal arbítrio
      Do começo ao fim, no total desenlaço

(desExistência rExistência)

   

domingo, 2 de fevereiro de 2014

tormenta

black wave - kuldar leement


a verdade é que tenho andado doente

tu sabes, aquela dor aguda
dizem que acontece como um raio
você não vê, não ouve e não sente
é tudo tão rápido que apenas se da conta
quando se percebe estirado no chão
enrola a língua e sequer pode falar

não é exatamente esse momento que importa
a eletricidade quando passa com força brutal
deixa marcas e efeitos que só serão sentidos
quando tudo passar

ou melhor
quando não passar

definitivamente me afetou a visão
quando veio o segundo raio
sempre pode cair duas vezes
no mesmo lugar
mas a segunda vez é totalmente diferente

o que ele deixa
ele leva

a não ser as marcas e efeitos
então você fica doente

com a visão prejudicada
te confundi em todo lugar
me iludi tentando te achar
sabe, podemos ser muito criativos
em sonhos de esperança
afim dos efeitos atenuar

pintei a lua em todo lugar
afinal, já era dia, não podia mais te encontrar
minha maior escuridão era solar
pois me tirou teu brilho

garota, estou doente
e como gostaria não estar...
e tu não estás

tu sempre consegues se curar
não te afetou da mesma maneira
tua doença é outra,
talvez eu só tenha sido uma das ilusões
mas passo rápido, como um relâmpago
sem o solo tocar
nem sentes
e o trovão só vem para incomodar

outro efeito é a perda do tato
não é possível lidar com outros da mesma forma
simplesmente falta a sensação do toque
minha mão é pesada
procurando o que já teve
sem sentir o fogo queimar

sei que existe cura
deve haver uma cura

se ao menos eu parar de me envenenar
com pequenas doses de doces sonhos
fico a expectativa de um por do sol
para o céu obscuro revelar
mas sei que assim como tem sido
será uma noite sem luar

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

realidadeCadência

Roberto Ferri


sou eu ou sou a arte?
tenho substância enquanto vivo
ou vivo apenas enquanto
a morte se faz substância?

me faço na construção de meu intento
porém me desfaço na paz e me reinvento
de que vale a poesia dos vales sombrios
perante a dualidade de um sentido pleno?

me faço enquanto faço
queria mesmo é me desfazer
não precisar sentar e sangrar
em frente a máquina de escrever

espero, não; almejo
queria poder dizê-lo
mas a verdade é que
não tenho para quem dizer

tais letras de cores rubras
escorrem sem sentido
por entre as engrenagens
da tão imperfeita máquina

o som de cada tec marca o tempo
gera um vácuo do desperdício
gera uma matéria de aproveitamento
mas ainda se faz,
sem me deixar ser

sou enquanto destruo
tanto quanto quando crio?
a perspectiva do que consegui
soa nada mais que o eco das perdas
sons não proferidos
e mais marcas deixadas

constante se faz a vontade
de dizer aquela maldita palavra
enquanto faço rodeios
por não ter flechas em minha aljava

ritmo inconstante das teclas
me perdendo no compasso
sempre no momento errado
atrasado, pé atrás de pé
a cada passo

um sacrifício sem deuses
votação sem eleito
realidade em prisma
sonho desfeito

faço
finjo
ajo
crio

nada

   

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Insomnia

Edward Poynter - The Nymph's bathing place

Logo tu, 
Tímida caçadora de Ártemis
Com teus banhos proibidos escondendo uma beleza pura
Apesar da ferocidade de um disparo de arco e flecha

Oh ninfa de tão belo e profundo lago
Se banhando na seiva láctea do brilho eterno da lua
Refletido sobre a superfície de tua macia pele de seda
De cabelos e olhos escuros como o cosmos a noite, 
Mas com um brilho vívido amadeirado da floresta
Os mesmos dedos firmes que apontam a seta mortal 
Se movem suaves por entre as ondulações do cabelo molhado
Diana te abençoa sob o reflexo de suas águas

Quando vês estás nadando na própria lua encarnada em tua graça
Se fazendo una com tal beleza estonteante
A graça de teus movimentos cria marés, 
Teu corpo sobre a superfície gera ondas 
Que são ecos de teu toque sutil
Alcançando as areias de oníricas praias
E como move teu corpo com suavidade!
Parece levitar por entre as estrelas encantando com teu brilho celeste
Antes fosse tão próxima quanto se faz parecer

Ao me devorar com tua iluminada presença, ouvem-se apenas uivos
Te toco com muito esforço com o prolongamento de um sentimento
Através da vibração de encantadoras notas
Melodias geradas pela influência de tua gravidade, 
Que vibram as cordas da harpa das emoções
Afinal, o que poderia um sátiro perdido na floresta
Ter com tua presença intocável? 
Distante e ao mesmo tempo tão marcante

Talvez não seja a lua, 
Talvez seja um reflexo, 
Talvez seja ilusão...
Oh céus, tu és a lua!

E em teu nome canto uma canção, 
Te puxo dos céus com um laço de versos
Te faço matéria, de carne, osso e alma novamente

Caminhas então no mundo terreno longe das nuvens
Mas a lua, ora, a lua nunca saiu de ti

 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Sweetheart


"Baby, I see poetry in your lines,
I feel colors in your curves,
I hear melody in your soul"
  

sábado, 11 de janeiro de 2014

Você


Todos estão sempre querendo
Mais do que se fazem querer
E nem sabem o que querem
Queria que entendesse
Simplesmente apenas quero
Alguém que me queira
Porém queira quando quero
Veja bem, não digo de momento
Dando importância apenas
A qualquer querer meu
Quando te quero
Só quero que me queira
E isso só me faz querer mais
É uma questão de alinhar os quereres
Quer queria o que isso queira dizer