quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Y



Me encontro sentado, com as costas arqueadas feito um idoso,
Debruçado sobre os joelhos respirando ofegante e desgostoso
Em minhas mãos uma memória e um instrumento de violência.
Manchando os poemas aos meus pés escorre a sua essência

Cartas e mais cartas espalhadas pelo chão, amassadas
Cartas estas seladas, nunca lidas, jamais enviadas

Nem pareço ter a idade que tenho, carrego o peso de cem anos
Já você, leve como uma vespa continua astuta e jovial
Deixando um rastro de destruição e ignorando os danos
Devorando inocentes corações, como um voraz canibal

"Vê se vira homem!"

Ainda lembro de suas últimas palavras amargas e cruéis
Impensadas feito o rubro sangue que sujam estes papéis
Dia após dia tentei compreendê-las, isso eu te juro
Enquanto navegava num barco à deriva sem porto seguro

Não houve rum que me fizera afogar o seu ódio insolente
Não houve aguardente que mantivesse quente meu coração doente

Essa frase abalou minhas estruturas feito explosão de dinamite
Tais palavras me remontam à lembranças em que fui desafiado
Me foi passada a ideia de que homens ultrapassam o limite
Em todas as vezes nunca entendi plenamente o significado

"Você não é homem!"

Muitas vezes foi esperado de mim atitudes negativas
Um macho alfa coleciona histórias de iniciativas
Em brigas e confrontos queriam ver agressividade
Até mesmo fazer o mal, jamais aceitando a passividade

O homem traz o fardo e o privilégio de ser o grande conquistador
Ter menos pudor, é o desbravador, tem de ser dominador

E logo você não esperava menos que toda essa premissa
Meu maior erro foi tratá-la com todo respeito como uma igual
Trazia consigo um forte desejo de ser domada e feita submissa
Apesar de tudo em você era forte esse instinto animal

"Você nunca vai ser homem"

E então o fatídico dia, te encontro em casa sozinha
Não faço cerimonia, entro sem pedir ao menos licença
Você surpresa me insulta e diz que não mais a tinha
Mas a sua cultura me ensinou a não tolerar tamanha ofensa

Queria ciumes e ser usada, deixo ao lado uma câmera e pego a cinta
Você queria isso, não minta, apenas sinta, quase implorou faminta

Você tenta lutar, mas sempre reclamou de eu ser mais forte
Talvez nesse papel de homem eu me encaixe, veja que sorte
Você queria ter fotos sensuais, com o perigo de cair na rede
Não se preocupe com vergonha, trouxe vinho pra saciar sua sede

"Você é um monstro!"

Talvez então finalmente tenha entendido o que é ser homem
Nessa sociedade machista, tem que ser covarde e botar medo
No abate há quem mate a carne que os outros comem
Com a faca em punho, esta noite serei o açougueiro neste enredo

Recito Bukowski enquanto em desespero se encolhe no canto
Me comove seu pranto, com uma foto me espanto, e eu sinto tanto

Jamais aceitaria me tornar isto, que admira e te apavora
Então em um corte profundo pus minhas tripas fora
Me sentindo honrado por não me deixar cegar pela amargura
Você se afasta o máximo que pode, como eu deveria ter deixado, antes desta loucura

"Eu te odeio!"

Isso me tranquiliza, ainda sente algo afinal,
Perdi total controle de tudo que carrego comigo
Fiz das tripas coração, para não te fazer mal
No fim sempre tivemos em comum o inimigo

Só agora reparo nas cartas que joguei ao chão
Não fui são, sem qualquer razão, foi tudo em vão

Em meio a tantos erros e arrependimentos insanos
No fim entre razão e sentimento, somos nada além de humanos
Mesmo sabendo que não fiz escolha alguma certa
Ainda me preocupo...

"...Você deixou a porta aberta"
   

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