domingo, 24 de novembro de 2013

Armadura



Passos vagarosos são ouvidos ao longe, abafado pelo farfalhar das folhas ao vento apressado. Está um contrastante clima quente de brisa gélida e em toda a volta enxerga-se apenas a maciez pálida de uma densa névoa, da qual não se pode enxergar sequer o céu, tornando impossível distinguir dia de noite. Apenas se faz possível sentir o chão ou vê-lo chegando bem perto, dissipando a opressora neblina. Toda a noção de espaço e tempo se distorce no meio da paradoxal escura claridão; tudo é branco, em tantas camadas que se torna um gradiente de cinza.
Determinado, segue a procura de algo, passos firmes tateiam à espera de que o chão não lhe suma sob os pés. Ao encontrar um marcação, em forma de cicatriz na terra seca, se prepara para escavar o local demarcado. A procura se torna árdua enquanto segue perfurando o solo com um profundo buraco, por onde a névoa escoa feito um líquido fantasmagórico.
As retiradas de terra cessam ao sentir um objeto sólido ressoando com o impacto. Uma pedra negra e opaca, o universo aprisionado em um diamante, que logo é retirado e trazido à superfície. Não era exatamente o que esperava, mas o surpreende no que se tornara aquilo que um dia vira afundar.
Por mais inflexível que pareça, o artefato pode converter-se maleável em altas temperaturas.
O som de uma abertura metálica e pesada lentamente sendo aberta soa pelo ambiente, e do buraco proveniente de seu peito jorra lava que escoa para o buraco a pouco escavado. A forma bruta de carbono é então mergulhada no fogo líquido que a faz ficar flexível, emanando um fogo púrpura que ilumina o vapor a sua volta. Como barro flamejante é manuseada e trabalhada por mãos calejadas, que não se importam com sua temperatura abrasante. O esforçoso trabalho artesanal se da entre pancadas e compressões, dobras e apertos exaustivos até que aos poucos se tornem formas anatômicas grosseiras. A água que lhe escorre pelo corpo devido ao esforço resfriam os luminescentes objetos formados a partir da peça original, engrossando ainda mais o nevoeiro. Com extremo cansaço e muitas queimaduras o artífice se deita ao lado de sua obra e descansa por incontáveis e imperceptíveis seis dias e seis noites.
Com a ferida da terra já cicatrizada e o tempo limpo, no qual agora se faz possível enxergar as estrelas, levanta-se para observar o arredor. Nada reconhece, mas não sabe se andara muito, ou se sua memória que já não é mais a mesma. É possível enxergar centenas de marcas e feridas, e uma abertura no peito que agora jaz vazia e profundamente escura.
De forma ritualística prossegue encaixando as peças do exoesqueleto moldadas para encaixar em seu corpo cansado. O traje lhe cai como uma luva, se adaptando como uma segunda pele e uma peça sobressalente se faz adequada; uma lâmina obscura sendo embainhada encerra a ritualística. Aos poucos se da conta de que o tempo está fechando, e ao reparar na luminosidade da lua observa não mais possuir uma sombra. Infla os pulmões professando os seguintes versos:

"Visto de volta o bom e velho pessimismo otimista
Onde espero de cada circunstância sempre o pior
Sem temer a má sorte do futuro desconhecido
Sendo assim por vezes surpreendido positivamente

Faço de minha densa sombra minha arma e armadura
Forjada no ardor de minhas dolorosas emoções vividas
Resfriada em meus obscuros prantos e odiosos pesares
Feita à minha imagem e semelhança, meu complemento

Que todo o meu passado, seja glorioso ou vergonhoso
Nenhuma vez seja negado, ou por mim desmerecido
Que as batalhas vindouras não sejam jamais temidas
Oh! Luminosa lua espectral que me observa dos céus

Não possuo mais treva, tão pouco sou cheio de luz
Me faço humanamente cinza, puramente indecifrável"


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